Criando uma aventura pedagógica – Parte II
Olá, amigo leitor! Estamos de volta para continuar nossa discussão sobre a criação de aventuras pedagógicas. Hoje vamos comentar sobre a escolha do cenário e do enredo de sua história. Mas qual a diferença entre uma coisa e outra?
Cenário, aqui, se refere às características da aventura a ser criada: sua época (é uma aventura medieval? Contemporânea? Futurista?) e o mundo onde se desenvolve (mundo Real? Fantástico? Trevas?). É uma decisão importante e tem ligação direta com os conteúdos que o professor pretende desenvolver.
O enredo vai tratar do desenvolvimento da aventura: o que aconteceu para que os personagens entrem no jogo? Qual o objetivo deles? Como podem alcançá-lo? Será dentro do enredo que você deverá pensar nos obstáculos pedagógicos que a aventura conterá.
Inicialmente, recomendo que você primeiro pense nas situações-problema que pretende criar para só então inseri-las numa aventura que encaixe com tais situações. Como assim? Acredito que será mais fácil você pensar em uma aventura que combine com uma situação-problema específica do que pensar numa aventura e depois buscar problemas de cunho didáticos que se encaixem na mesma.
Por exemplo, quando escrevi "Resgate no Shopping", eu queria desenvolver uma aventura que pudesse explorar uma situação-problema que envolvesse os conceitos de propagação de calor:
a) que trabalhasse esses conceitos de uma forma clara;
b) dentro de uma possibilidade possível de existir;
c) que pudesse envolver mais de um tipo de propagação num mesmo contexto.
Daí, pensei na possibilidade de trabalhar num cenário de incêndio, visto que todas as propagações de calor estão presente ali. O cenário teria que ser um ambiente fechado, para evidenciar essa propagação de calor. Poderia ser uma casa ou um escritório, mas achei um shopping mais atraente, visto ser um dos locais preferidos da garotada. Poderia levá-los a pensar "e se realmente houvesse um incêndio durante um passeio no shopping? Como deveria reagir?". Os personagens dos jogadores poderiam ser bombeiros, assim, poderia desenvolver outros conceitos físicos, a partir das ferramentas utilizadas pelos bombeiros, fazendo uso de máquinas simples.
Durante a criação da aventura, percebi que outros conceitos estão presentes indiretamente numa situação como essa, tais como a pressão num extintor de incêndio, as reações químicas que ocorrem internamente no próprio extintor (fazendo uma ligação da aventura com a Química), o senso de direção necessário para se localizar e não se perder nos corredores do shopping (outra ligação, agora com a Geografia), entre outros.
Perceba que tudo partiu de uma situação-problema. À medida que vamos pensando da situação específica e ampliando para o que ocorre antes ou depois dela, a aventura vai criando corpo e novas situações podem surgir, ampliando o leque de aprendizagens do aluno naquela aventura.
Entretanto, não coloque problemas demais, para que a brincadeira não perca seu brilho. Para uma aventura de 4 horas (2 encontros de duas aulas), duas situações-problema é um bom começo. Até porque haverá o link com problemas de outras disciplinas (como a Química e a Geografia, no nosso exemplo), tornando a experiência interdisciplinar.
Alguns problemas podem ser desenvolvidos durante a própria aventura, ou seja, são obstáculos que precisam ser vencidos para que a história prossiga. Outros, podem ser apenas um mote para discussões após a aventura (as reações químicas dentro do extintor, por exemplo).
As associações entre o problema e a disciplina não precisam estar evidentes, e é até interessante quando não estão, pois leva os alunos a pensarem algumas situações sobre outro olhar. Nessa aventura do shopping, por exemplo, é muito comum meus alunos terminarem a aventura sem perceberem que conceitos de Física estavam atrelados a ela. Somente após os estudos e debates pós-RPG é que seus olhos se abrem e comentam impressionados que desenvolveram conceitos físicos durante todo o tempo e não perceberam.
Alguns pesquisadores recomendam que, ao se pensar na elaboração de uma aventura, o professor imagine que cada cena deverá ser desenvolvida em cerca de 15 minutos: 5 minutos para o professor narrar a cena e os desafios ali apresentados, 5 minutos para os alunos se posicionarem em relação ao que foi narrado e mais 5 minutos para o professor concluir a cena a partir das reações de cada personagem. Entretanto, se sua aventura apresenta alguma situação-problema que envolva algum cálculo matemático, físico ou químico, ou a interpretação de mapas, cartas, etc. sugiro que reserve um tempo maior para que os alunos consigam concluir seus raciocínios e cheguem à solução do problema.
No próximo post, conversaremos um pouco sobre criação de personagens, sejam eles jogadores ou não-jogadores. Até lá!
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